"É... fingir que ainda estou fazendo medicina é um saco, mas se eu não faço isso meu velho cai de pau em cima de mim. A velha, então..." Seus devaneios, enquanto tomava café, iam bem longe. Há mais ou menos três anos, oito meses após ser aprovado na melhor faculdade de medicina da região, trancara a matrícula por achar o curso entediante demais. "Pelo menos encontrei minha vocação. Aquela espelunca não foi de todo inútil" pensando nisso, saiu de casa.
--Ero-nii-chaaaaaann!!
Meio sem reação, o homem apenas acenou de volta.
--Sobe aí!-- gritou ela, saindo de onde as vistas de seu nii-cahn alcançavam para, em poucos segundos, aparecer abrindo a porta de entrada da imponente casa onde morava.
--Mas... mas...-- sendo puxado para dentro da casa, cansou de resistir a começou a acompanhar a garota --Hey, hey, Himeko, você não deveria estar treinando?
--Hoje vou ter uma ajudinha especial né?-- falou rindo, enquanto o fitava com um olhar insinuante.
--Quem?-- respondeu ele, fazendo-se de desentendido.
--Hah. Para de enrolar, Ero-oyaji!
--Mitsuru Katashirou, sou seis anos mais velho que você e exijo respeito! Pare de me chamar de perva!-- disse, com um tom falso de irritação.
Subiram as escadas e entraram num cômodo que ocupava quase todo o último andar da casa. A ampla sala tionha quase todo seu piso forrado por um tatame verde-água, contava com ótima iluminação e ventilação de mesmo nível. Na parede, perto da porta, jazia um velho armário, antes brilhante a abarrotado de apetrechos, agora apenas um lugar para guardar os sapatos, durante as muitas horas que a garota passava lá.
--Mii, não tô afim...
--Ah, nii-chan...o-ne-ga-i...
--No way! Eu...tenho muito o que fazer, e tenho que permanecer em bom estado. Toda vez que venho aqui acabo com vários hematomas...
--Okay-- respondeu ela, visivelmente desapontada.
Horas passaram sem que Mitsuru desse trégua aos sacos de areia e outros instrumentos que haviam espalhados pelo tatame, antigos habitantes daquele armário velho.
--Himeko, esse lugar aqui virou uma zona desde que sua velha parou de dar aulas, hein...
--Cala a boca, Ero-kun.
O moço já tinha uma resposta formulada, mas assim que abriu a boca para proferi-la, foi interrompido pelo toque de seu celular. Era o despertador.
--Bai, Himezinha, tenho amis o que fazer.
--Huh...ir fazer seus negocinhos sujos?-- a pergunta, de tom irônico, em nada combinava com a garota de olhar sereno e determinado --Nada contra, afinal é grana fácil... o olhar inocente lançado na direção de Yoshio apenas acentuava o cinismo na voz.
--Você não perde uma, hein... não mudou nada desde que nos conhecemos. Tchau. -- encerrou, sorrindo.
A quase mestra viu seu melhor amigo sair de sua casa e gritou, sem se preocupar com o horário, sabia ela que já não estava tão cedo:
--Chama a Maa-chan, pleeeease!!
Colocando o chapéu na cabeça, o jovem assentiu, sem olhar para a garota.
Não havia passado muito tempo desde que falara pela última vez com o filho única da família Ishigeki, contudo Mitsuru não se supreendeu ao ouvir as características três batidas leves na porta. Com um largo sorriso e um "Entre Maa-chan" viu que suas expectativas foram atendidas, ou melhor, excedidas: a moça trazia uma bandeja meticulosamentre arrumada.A jovem, de nome Matsue Shinohana, entrou, tirou os sapatos, abriu espaço entre as bugigangas que estavam sobre o tatame e colocou a bandeja ali. As duas mulheres se sentaram no chão e começaram um diálogo descontraido:
--Hoje o Ero-cii-chan veio aqui...
--Eu sei, afinal ele só me acorda essa hora quando você pede.-- respondeu, fingindo mau-humor.
--Nhai-- espreguiçou-se Mitsuru --Vou parar por hoje.
--Quanta determinação, hein, sua samurai fajuta.-- riu Matsue.
--Hey! Eu tô treinando desde as quatro e pouco da manhã! Agora são dez e meia!! Não tá bom não?!
--Ok...ok... te dou um desconto... mas...
--Mas?!-- perguntou a hime, já adivinhando a resposta.
--Vamos arrumar isso hoje!-- falou Shinohana, com umn sorriso animado e um olhar enérgico.
--Acho que minha mãe tá me chamando...-- murmurou a outra, andando rápido em direção à porta.
PÁ! Mitsuru caiu no tatame, inerte diante do galo que sejá-lá-o-quê lhe causara.
--Hahahahahaha... se não for assim, você não ajuda...
As próximas duas horas passaram com a dupla de melhores amigas arrumando a sala, rindo e conversando inutilidades. Quando o relógio soou 13 horas, elas pararam, esgotadas. As tímidas batidas na porta que se sucederam, para elas foram como a salvação divina: estavam famintas.
Desceram as escadas até a elegante sala de jantar, onde estavam reunidos os irmãos mais velho e mais novo, a mãe e algumas empregadas. As mulheres se sentaram na outra ponta da longa mesa e sequer foram notadas. Comeram rápido e foram para o quarto da Mitsuru mais rápido ainda.
Mal havia passado 5 minutos desde a chegada delas no quarto, ouviram as mesmas tímidas batidas na porta.
--Entra aí, Esperanza!
--Com licença, trouxe-lhes a sobremesa.-- disse a empregada de meia-idade, já se retirando.
--Hey, Esperanza!
--Oi?
--Por que você ainda trabalha com a gente? É inteligente, prestativa, simpática, tão precisando de gente assim no mercado...
--Porque minha idade já está meio avançada. Além disso, tenho muita afeição à senhora e desde que as pessoas daqui apagaram sua presença da vida delas, apenas eu zelo por ti.
--Hahahaha... então, quando eu me mudar, você vai junto.
--Ficarei lisonjeada quando esse dia chegar. Agora vou indo.-- disse a sorridente senhora, saindo do quarto.
Sentadas na cama de Mitsuru, as garotas comeram a deliciosa sobremesa, silenciosamente compartilhando a sensação de que a mudança, não só de casa, mas de vida, estava cada vez mais próxima, sem imaginar que começara assim que Yoshio, naquele mesmo instante, puxava assunto com uma linda e rica mulher, vestida de vermelho.